Por Kleber Karpov
O Senado deve aprovar projeto que concede aposentadoria especial automática a agentes comunitários de saúde e de combate a endemias. A discussão, no entanto, ultrapassa a Previdência e entra no campo da constitucionalidade. Washington Barbosa, especialista em Direito Previdenciário, mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, e CEO da WB Cursos, disse que a medida é “duplamente inconstitucional”. Segundo ele, o texto “atribui competências e despesas aos municípios, ferindo diretamente o pacto federativo” e cria despesa “sem definição clara de fonte de custeio”.
Financiamento e o pacto federativo

O projeto deve gerar impacto estimado de R$ 24 bilhões. Barbosa ressalta que a proposta transfere aos municípios a responsabilidade financeira por aposentadorias especiais sem previsão de compensação. O especialista lembrou que a Constituição Federal (CF) admite tratamentos diferenciados, mas exige equilíbrio federativo e fonte de financiamento específica.
“Estão imputando obrigações e despesas para os municípios sem a devida compensação, sem identificar a origem dos recursos para custear essa despesa adicional. Isso é, a meu ver, duplamente inconstitucional”, disse Washington Barbosa.
O Executivo já anunciou que deve se apoiar justamente nesse ponto para tentar barrar a proposta: “Não existe despesa sem fonte de custeio”, afirmou Barbosa. A tendência, segundo o especialista, é que o governo avalie os caminhos políticos antes da judicialização. “Antes de tudo, o governo tem o poder de veto. Ele pode vetar e aguardar o Congresso se manifestar. Depois, se for o caso, ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade”, explicou a ponderar que o ambiente político pode influenciar o governo a agir com cautela diante da popularidade da categoria beneficiada.
O risco presumido
Apesar das críticas jurídicas, Barbosa reconhece o mérito social da medida e a importância dos profissionais. Os agentes comunitários de saúde são responsáveis pelo atendimento porta a porta, acompanhando vacinação, pré-natal, condições de saúde e encaminhamentos médicos, sobretudo em áreas mais vulneráveis. Os agentes de combate a endemias trabalham no enfrentamento de dengue, malária e outras doenças. “Ambos os trabalhos são feitos debaixo do sol, caminhando o dia inteiro, submetidos a situações de risco”, reforçou Washington Barbosa.
Hoje, trabalhadores que buscam aposentadoria especial precisam comprovar, caso a caso, exposição permanente a agentes nocivos, químicos, físicos ou biológicos. O projeto aprovado muda essa lógica: a exposição passa a ser presumida. O modelo é semelhante ao adotado para professores, que também têm tratamento diferenciado sem exigência de laudos individuais.
Aposentadoria especial
A aposentadoria especial garante redução no tempo necessário para se aposentar quando há risco ou danos à saúde do trabalhador. A regra geral exige que homem tenha 65 anos e 20 anos de contribuição; mulher tenha 62 anos e 15 anos de contribuição, explicou o especialista. Já as aposentadorias especiais podem ser concedidas com 15, 20 ou 25 anos de contribuição, conforme o grau de nocividade. “Para ter aposentadoria especial, você precisa comprovar exposição a riscos físico, químico ou biológico de forma permanente”, complementou Washington Barbosa.
De acordo com o especialista, com a aprovação, agentes de saúde e de combate a endemias entram no grupo de profissões que têm risco presumido, com a dispensa de perícia e documentação técnica.
O nó central, destacou Barbosa, é o financiamento. O especialista lembrou que, no modelo tradicional, quem paga o custo adicional da aposentadoria especial é o empregador, via contribuição patronal majorada. Mas agentes de saúde e de endemias são frequentemente contratados por prefeituras, convênios, OSCIPs ou processos simplificados, fora do padrão empresarial de custeio. “A pessoa vai se aposentar mais cedo. Isso dá um peso para a Previdência, uma Previdência que já está tão combalida”, disse Washington Barbosa.
Barbosa reforçou ainda a necessidade de responsabilidade fiscal: “Por um lado, eu sou favorável a um tratamento especial, por outro eu sou contrário a simplesmente onerar a previdência social, que já é combalida e deficitária. Isso poderia ser feito, poderia, mas com formas novas de custeio especificamente para essas situações”, concluiu.
Kleber Karpov, Fenaj: 10379-DF – IFJ: BR17894
Mestrando em Comunicação Política (Universidade Católica Portuguesa/Lisboa, Portugal); Pós-Graduando em MBA Executivo em Neuromarketing (Unyleya); Pós-Graduado em Auditoria e Gestão de Serviços de Saúde (Unicesp); Extensão em Ciências Políticas por Veduca/ Universidade de São Paulo (USP);Ex-secretário Municipal de Comunicação de Santo Antônio do Descoberto(GO); Foi assessor de imprensa no Senado Federal, Câmara Federal e na Câmara Legislativa do Distrito Federal.










