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30 abr 2024 02:49


Assédio sexual e moral na administração pública, uma triste realidade

Painel de Ouvidoria do DF demonstra aumento superior a 50% em casos de assedio na administração pública. E punições, existem?

Por Kleber Karpov

Dados do Painel de Ouvidoria do Distrito Federal revelam, entre 1º de janeiro e 15 de outubro deste ano, houve um aumento de 56% no registro de denúncias e reclamações de assédio moral e sexual no serviço público do DF, com um total de 654 casos denunciados, contra 419, comparado o mesmo período de 2022. Porém, quando analisados separadamente, os dados demonstram, ou uma discrepância entre as duas práticas, dignas de serem avaliadas.

Assédio Moral

Sob essa ótica, muito se fala sobre casos de assédio moral, com um vasto acervo de depoimentos de casos que ganham a luz da sociedade, praticados por servidores públicos, dentro do ambiente de trabalho. Prática essa é tipificada como crime, em alguns países, a exemplo de França, Espanha e Bélgica. No Brasil, O Projeto de Lei (PL) n° 1521, de 2019, está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal que, se aprovado, pode dar detenção de 1 a 2 anos, além de prever agravantes à pena. Projeto esse, originado no PL 4.742/2001 de autoria do ex-deputado federal, Marcos de Jesus (PL/PE).

Assédio Sexual

Porém, sem desmerecer a relevância e consequências negativas da prática do assédio moral na administração pública, com vasto registro de casos, quando se trata de assédio sexual, os números ‘somem’. Ao menos é o que demonstra o Painel de Ouvidoria do DF.

Em referência a 2023, das 654 denuncias e reclamações, 551 registros, equivalente a 84,3% são relativos a práticas de assédio moral e 82 (15,7%) de assédio sexual. Percentuais esses, que praticamente se repetem quando comparados com o ano anterior, com 354 (84,5%) dor assédio moral contra 65 (15,5%) por assédio sexual.

Importante ressaltar que assédio sexual, ao contrário do assédio moral, constitui crime já estabelecido com previsão legal por meio da Lei nº 13.718/2018, por importunação sexual. As penas variáveis, mas geralmente aplicadas, de 1 a 5 anos de prisão. 

Casos recentes

Ex-Diretor-Geral da Polícia Civil do DF (PCDF), Robson Cândido – Foto: Reprodução

No início desse mês, o DF acompanhou as manchetes na mídia do ex-Diretor-Geral da Polícia Civil do DF (PCDF), Robson Cândido, que acabou por antecipar a aposentadoria, sob suspeita de prática de assédio contra uma mulher, juntamente com a esposa do então  delegado, registrar Boletim de Ocorrência na Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM).

O caso acabou por gerar um Procedimento de Apuração Preliminar (PAP), que corre em sigilo, na  Corregedoria da Polícia Civil, em que Cândido deve se defender por reclamação de crime de stalking, — perseguição reiterada e por qualquer meio a uma pessoa com ameaça a integridade física ou psicológica, restrição de capacidade de locomoção ou, de qualquer forma que venha a invadir ou perturbar a esfera de liberdade ou privacidade —, previsto na Lei 14.132/2021. Caso, sob apuração, também,  do Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial (NCAP) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para apurar as circunstâncias relacionadas à exoneração e já tomou outras medidas necessárias.

Alcione Barros, ex-diretor Administrativo do Hospital Regional de Ceilândia e diretor do SindSaúde-DF)- Foto: Cedida ao Política Distrital

Outro caso também com ampla repercussão na grande mídia é do ex-Diretor Administrativo do Hospital Regional de Ceilândia (HRC) e diretor do Sindicato dos Empregados em Estabelecimento de Saúde do DF (SindSaúde-DF), Alcione Pimentel Barros, exonerado em 24 de novembro de 2022, sob a acusação de ter assediado moral e sexualmente uma funcionária terceirizada do HRC. Isso após a trabalhadora pedir ajuda para transferir o avó  para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

De acordo com a vítima, que registrou BO na PCDF, Barros, conhecido por “Faca na Caveira” entre os pares do SindSaúde, dentre outros abusos, após se fechar na sala com a trabalhadora terceirizada do HRC, chegou a segurar o braço da vítima, “passando a outra mão em seu pescoço, seios, barriga, bunda e partes íntimas” que tentou se desvencilhar, mas contida com mão na mandíbula da mulher, o então diretor administrativo do HRC, “teria passado a boca e a língua no rosto da servidora.”, ocasião em que a trabalhadora afirmou ter conseguido empurrar o homem e sair da sala.

A denúncia aponta ainda que Barros, continuou a chamar a servidora para ir até sua sala; em dar carona à vítima além de enviar “um vídeo do ambiente e a chamava para ‘sextar'” ocasião em que a mulher decidiu procurar DEAM de Ceilândia, onde denunciou o caso.

Reflexos

Invariavelmente essa conduta perniciosa é praticada contra mulheres, muito embora, existam casos de assédio sexual contra homens e pessoas LGBTQIA+. Porém, não seja claro, se por constrangimento ou falta de apoio, esses casos acabam ‘abafados’ e pouco divulgados.

Para especialistas, situações essas, de acordo com especialistas, além de serem responsáveis por contribuir para o adoecimento mental e físico dos servidores,  consequentemente podem resultar no afastamento do trabalhador em decorrência de licenças-médicas, além de, em casos extremos, essas vítimas recorrerem a tentativa ou consumação do autoextermínio.

Em especial, caso a vítima não se sinta amparada pessoal e/ou socialmente para lidar com o problema. Sobretudo porque em diversas situações, as vítimas acabam por se  verem obrigadas a conviverem com os algózes.

Prevenção: No DF ‘cobra não se cria’

Porém, na atual gestão do Distrito Federal, a cultura da prática de assédio moral ou sexual passou a ser amplamente combatida, tanto pelo governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), quanto pela vice-governadora do DF, Celina Leão (Progressista), que por sinal é uma ativista no que tange a luta em defesa das mulheres. Além de iniciativas por parte do Executivo, a essa luta se juntam, órgãos de controle, a exemplo do MPDFT e da Câmara Legislativa do DF (CLDF).

Nesse contexto, Rocha editou, por exemplo, o Decreto n° 44.701, de 5 de julho de 2023, que estabelece a apuração de casos de assédio moral ou sexual no ambiente de trabalho dos órgãos e entidades da administração direta e indireta do Distrito Federal. Medida essa, que visa combater e prevenir práticas abusivas, além de assegurar um ambiente de trabalho saudável e respeitoso para os servidores públicos.

Uma das características importantes do processo é que qualquer pessoa, identificada ou não, pode registrar denúncias de assédio moral ou sexual. Tais denúncias podem ser realizadas de diferentes formas: Por meio do website www.participa.df.gov.br, pela central telefônica 162 ou presencialmente nas ouvidorias dos órgãos e entidades do DF.

Em 2020, o GDF chegou a lançar uma cartilha com a finalidade de prevenir os assédios morais e sexuais dentro da administração pública. Uma parceria da Secretaria de Estado da Mulher (SEM), Controladoria-Geral do DF (CGDF) e da Secretaria Executiva de Valorização e Qualidade de Vida (SEQUALI) a obra traz diretrizes e orientações para identificar e combater tais crimes.

E a punição?

A prevenção é mesmo o melhor remédio para evitar situações tão humilhantes e dolorosas como essa, mas, e a parte punitiva? Sob essa ótima, dado o sigilo imposto a PAPs e Processos Administrativos (PADs), a sociedade acaba por ficar com um ‘gap’, ou seja, um lacuna entre o caso denunciado e a efetividade quanto a punição. Portanto, com diversos questionamentos a exemplo de: os PADs para verificação dos crimes apontados deram algum resultado? Houve alguma sanção real para os abusadores ou é só mesmo uma cortina de fumaça e os praticantes de tais práticas continuam à vontade para fazer novas vítimas?

De volta aos dados do Painel de Ouvidoria do Distrito Federal chama atenção, a efetividade de resolutividade, por parte do Poder Executivo, em relação as denúncias e reclamações realizadas, em especial por parte das corregedorias.

Em 2022 o percentual  de resolutividade de casos denunciados, tanto de assédio moral quanto sexual, foi de 18%, com abrangência de 60 casos. Índice que em 2023, saltou para 33% (65 casos).

Também com o olhar no Painel de Ouvidoria do Distrito Federal, o caso de Barros, ex-diretor do HRC chamou atenção de Política Distrital (PD). Se o caso que ocorreu há quase um não tem um único registro, quando a própria Secretaria de Estado de Saúde do DF (SES-DF), em reportagem ao G1/TV Globo (24/11/2022) foi categórica em afirmar que havia tomado conhecimento do caso, por meio da superintendência regional e “o servidor será afastado e será aberto um processo administrativo para se apurar o caso”.

Reprodução: G1 Distrito Federal

Sob esse prisma, por que motivo não há um único registro no Painel de Ouvidoria do Distrito Federal, relacionado a denúncias de Assédio Sexual, vinculado a Secretaria de Estado de Saúde do DF (SES-DF), durante o período de 01/11/2022 à 31/12/2022?

Ausência?

Importante observar que, como consta na própria reportagem da Globo, a defesa alegou inocência do acusado, que trata a todos sempre com “urbanidade e cortesia”. De toda forma, sobre o caso concreto, PD deve acionar a SES-DF, a Ouvidoria do DF e o MPDFT para apurar qual exatamente é a causa da ‘ausência’ da informação sobre a denúncia de assédio moral e sexual à época denunciada.

Reprodução: Painel de Ouvidoria do Distrito Federal

Reflexão

Em outra demanda, durante entrevista ao Bom Dia Brasil, da Rede Globo (16/Ago)(Veja Aqui), sobre prática de assédio moral e sexual em ambiente de trabalho, o ministro-presidente do  Tribunal Superior do Trabalho (TST), Lelio Bentes Corrêa, ponderou que o Tribunal recebe cerca de 220 processos diários, de práticas de assédio moral e sexual. O magistrado foi taxativo em falar sobre a importância de haver novas leis e canais que ajudem as vítimas dessas práticas.

“É fundamental que trabalhadores e trabalhadoras tenham a consciência de que têm o direito à proteção contra atos de violência no ambiente de trabalho, e o assédio é uma violência. Muitas vezes, condutas que eram banalizadas e que se deixavam passar como imperceptíveis, como o chefe ou o entregador se dirigir a todo o grupo de colegas e ignorar determinado empregado, ou a exigência de metas impossíveis de cumprir ou mesmo a pressão psicológica, o terror psicológico ou até exigências de favores sexuais em troca de uma condição mais favorável do trabalho, nenhuma dessas condutas podem ser toleradas”, disse Lelio Bentes Corrêa, ministro presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

Passou por assédio, relate seu caso

Fostes vítima de algum de assédio no ambiente de trabalho? Lembre-se, PD sempre está aberto a receber denúncias, apurar e abordar o assunto, jornalisticamente, com todo o respaldo jurídico sobre o sigilo e privacidade da fonte.

 

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