Por Kleber Karpov
Dez países ocidentais, entre eles potências do G7 como França, Reino Unido e Canadá, reconheceram oficialmente o Estado da Palestina em uma ação diplomática coordenada ocorrida entre 21 e 22 de setembro. A decisão, formalizada, em parte às margens da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), resultou em uma crise imediata com o governo israelense, que classificou o episódio como “recompensa ao terrorismo”, além de expôr uma fratura política explícita entre os Estados Unidos e três de seus principais aliados — Reino Unido, Canadá e Austrália.
A ofensiva diplomática foi executada em duas etapas. A primeira, em 21 de setembro, partiu do Reino Unido, Canadá e Austrália, movimento significativo por se tratar de integrantes do pacto de inteligência “Five Eyes”, que constitui o núcleo da cooperação de segurança ocidental liderada pelos EUA. A adesão de Portugal no mesmo dia ampliou o escopo da iniciativa.
Ação essa seguida, no dia seguinte, por França a liderar um segundo grupo, acompanhado por Bélgica, Luxemburgo, Malta, Andorra e Mônaco. O que veio a consolidar o que os articuladores da medida visavam ser um fato político consumado e de forte impacto internacional.
URGENTE. Francia anuncia el reconocimiento de Palestina en la ONU.
“Ha llegado el momento. Por eso, fiel al compromiso histórico de mi país en Oriente Medio, por la paz entre los pueblos israelí y palestino, declaro que Francia reconoce el Estado de Palestina”@EmmanuelMacron pic.twitter.com/rXMz61mTT3— Noticias ONU (@NoticiasONU) September 22, 2025
Pressão por resultados
A justificativa central dos países para a mudança de política foi a necessidade de preservar a solução de dois Estados, proposta pela ONU em 1947, com acordo ratificado em 27 de setembro de 2013, em que 137 dos 193 países-membros das Nações Unidas reconheceram a existência do Estado da Palestina. Medida essa considerada inviabilizada em decorrência da constante expansão de assentamentos israelenses na Cisjordânia ou ainda da posição do governo do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu contrária à criação de um Estado palestino. A grave crise humanitária em Gaza, ao longo dos últimos dois anos, foi apontada como o catalisador da ação, diante da crescente pressão da opinião pública nesses países.
As declarações oficiais, embora alinhadas, contiveram nuances importantes. O Reino Unido vinculou o ato a uma correção de seu legado histórico na região, mas impôs como condição que o Hamas não tenha “nenhum papel no governo” palestino. O Canadá adotou um tom particularmente duro, descrevendo as políticas de Israel nos territórios ocupados como “violações do direito internacional”. A França, por sua vez, argumentou que o reconhecimento fortalece uma alternativa política moderada ao Hamas.
Estratégia de Israel
A reação em Israel foi unânime em condenação a tal reconhecimento. Netanyahu afirmou que a existência de um Estado palestino “não acontecerá” e que a decisão europeia incentiva o extremismo. No plano estratégico, porém, Israel se vê diante de um cálculo complexo.
A retaliação mais dura, como a anexação da Cisjordânia, defendida por ministros da ala radical do governo, pode implicar em um risco elevado de ruptura dos Acordos de Abraão, — uma série de tratados que normalizou as relações de Israel com países árabes —. Os Emirados Árabes Unidos, parceiro central nesses acordos, comunicaram ser, tal anexação, uma “linha vermelha”. Medidas alternativas, como a retenção de fundos da Autoridade Palestina, poderiam provocar o colapso da administração na Cisjordânia, e consequentemente gerar um vácuo de segurança prejudicial ao próprio Israel.
Porém, especialistas indicam que a anexação das Cisjurdânia é apenas uma das opções, e que Israel poderia recorrer, a outras táticas, dentre essas: acelerar construções em áreas que fragmentam o território palestino, retirada enviados israelenses e/ou expulsar diplomatas estrangeiros do país; congelar transferência de receitas fiscais para a Autoridade Palestina, todas com graus de comprometimento e impactos geopolíticos mensurados e que pode se reverter contra os israelenses.
“Extrema firmeza” em caso de retaliação
Sob essa ótica, o governo francês foi categórico ao deixar claro haver consequências severas em caso de retaliação, por exemplo de encerramento da embaixada de França, por parte do governo de Israel. “Se tais medidas forem tomadas, responderemos com extrema firmeza. Espero que não chegue a esse ponto”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros — equivalente ao Ministério das Relações Exteriores no brasil —, Jean-Noel Barrot ao ponderar “Não é de forma alguma de interesse deles [israelenses]”.
No mesmo sentido o Reino Unido também mandou recado a Netanyahu, com recado enviado pela ministra dos Negócios Estrangeiros britânica, Yvette Cooper, em entrevista a BBC. “Deixei claro ao secretário de Estado israelita que eles não deveriam fazer isso e , também deixei claro que a decisão que tomamos é a melhor maneira de respeitar a segurança de Israel e dos Palestinos.”.
Reconfiguração geopolítica
O efeito mais duradouro do reconhecimento coordenado é a reconfiguração das alianças ocidentais. A divergência de membros do “Five Eyes” em um tema central da política externa representa uma quebra de alinhamento direto com Washington, cuja administração classificou a medida como “sinalização de virtude vazia”.
Para a Autoridade Palestina, o reconhecimento representa uma vitória diplomática que, embora não altere a realidade militar no terreno, fortalece sua posição jurídica e política em fóruns internacionais. O foco agora se volta para os próximos passos dos países europeus, que serão pressionados a transformar o gesto diplomático em pressão concreta para o avanço de um processo de paz.
Kleber Karpov, Fenaj: 10379-DF – IFJ: BR17894
Mestrando em Comunicação Política (Universidade Católica Portuguesa/Lisboa, Portugal); Pós-Graduando em MBA Executivo em Neuromarketing (Unyleya); Pós-Graduado em Auditoria e Gestão de Serviços de Saúde (Unicesp); Extensão em Ciências Políticas por Veduca/ Universidade de São Paulo (USP);Ex-secretário Municipal de Comunicação de Santo Antônio do Descoberto(GO); Foi assessor de imprensa no Senado Federal, Câmara Federal e na Câmara Legislativa do Distrito Federal.










