Por Kleber Karpov
A população negra do Brasil manifesta maior confiança no empresariado, com um índice de 85,3%, em comparação com os 68,7% de credibilidade atribuída aos governantes, o que constitui a principal conclusão de um novo estudo. A pesquisa, denominada “O Consumo Invisível da Maioria: Percepções, Gatilhos e Barreiras de Consumo da População Negra no Brasil”, foi apresentada nesta segunda-feira (10/Nov). O lançamento ocorreu durante o Fórum Brasil Diverso 2025, um evento que se realiza no Memorial da América Latina, na cidade de São Paulo.
O levantamento foi elaborado por meio de uma colaboração entre os institutos Akatu, DataRaça e Market Analysis, e resultou de uma consulta a 1 mil pessoas negras, oriundas de todas as regiões do país. A iniciativa de realizar o estudo surgiu a partir da expressividade do valor que o grupo populacional movimenta na economia nacional. O poder de consumo da população negra alcança a marca de R$ 1,9 trilhão anualmente.
Para a construção do estudo, os especialistas na área de dados tomaram como referência a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. Os dados mais recentes foram fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgados durante o segundo semestre deste ano. A metodologia da pesquisa incluiu uma análise aprofundada das percepções sociais e econômicas do grupo.
Polarização política deve explicar desconfiança
O presidente do DataRaça, Maurício Pestana, avalia que a intensa polarização política observada no Brasil, presente entre segmentos da direita e da esquerda, pode oferecer uma explicação para o maior otimismo dos entrevistados em relação às empresas. O resultado do levantamento sobre a credibilidade de instituições foi recebido com certa surpresa pela equipe de pesquisadores, conforme ele explicou.
Maurício Pestana, que também é o fundador do Fórum Brasil Diverso, argumenta que a desconfiança em relação ao governo deve se explicar pela cisão ideológica. Além da polarização, o presidente destaca que as empresas conseguem apresentar aos seus consumidores “regras claras de missão, de não à discriminação, de obrigações que de fato precisam ser cumpridas”.
O dirigente criticou a inconstância na aplicação das leis verificada na esfera pública. Ele observou que “já no governo vivemos um histórico de leis que às vezes pegam, às vezes não, de cumprimento variável”, quando comentou a situação brasileira.
O especialista ressalta que, para haver uma mudança na percepção popular, o Estado deve simplesmente seguir de modo mais rigoroso as regras. Ele pontuou a importância da Constituição.
“O Brasil tem uma Constituição que não deveria precisar ser lembrada o tempo todo. O cidadão deveria já saber que a lei vale, mas aqui as leis são frequentemente burladas e isso acaba refletindo nesses níveis de confiança”, criticou Pestana.
Sentimento de impotência e credibilidade
Junto à desconfiança em relação aos governantes, existe um sentimento declarado de impotência por parte da população negra diante de diversas consequências do racismo. Os índices de percepção de incapacidade de resposta indicam 22% sobre a violência policial e 19% em relação ao racismo religioso contra vertentes afrobrasileiras, o que demonstra uma vulnerabilidade sistêmica.
Outras questões sociais também foram percebidas pelos entrevistados. O apagamento em veículos de comunicação foi citado por 17,6% das pessoas ouvidas. A falta de oportunidades de trabalho, outro reflexo do racismo estrutural, foi mencionada por 20,7% das pessoas que se sentem impotentes diante do problema.
Em termos de credibilidade institucional, as organizações não governamentais (31%) e as instituições religiosas (30,7%) são as entidades que mais inspiram confiança na população negra. Estes grupos também registraram os menores índices de desconfiança na lista apresentada na pesquisa, de 8% e 7,6%, respectivamente.
Na sequência, com porcentagem significativamente menor de confiança geral, aparecem as companhias nacionais de grande porte, com 17,1% das menções. As multinacionais no Brasil obtiveram 16,1% da confiança do grupo pesquisado. Estas últimas geram um nível de desconfiança de 12,1%, o que se mostra quase equivalente ao seu índice de credibilidade.
Em contraste, ao analisar-se o setor público, apenas 12,9% dos entrevistados afirmaram depositar muita confiança nos governos. A falta de confiança, por outro lado, alcança 24% das respostas. Quanto às pequenas e médias empresas nacionais, as porcentagens de muita confiança e falta de confiança foram de 10,4% e 8,3%, respectivamente.
O relatório do estudo destaca que os indivíduos na faixa etária de 35 a 44 anos demonstram ser os mais céticos em relação à classe política. O percentual de suspeita sobre as intenções dos governos chega a 36,7% neste grupo específico. Por outro lado, três grupos populacionais se mostram como os que mais confiam nas mensagens governamentais: as mulheres (73,2%), os jovens (75,7%) e os idosos (76,9%).
Racismo na vida pessoal e coletiva
No recorte de classes sociais, a classe A é a que demonstra mais crédito em relação às empresas (90%) e aos governantes (78,9%). Em contrapartida, a classe B figura como a mais crítica entre os segmentos avaliados na pesquisa, o que sugere um maior rigor na avaliação.
O patamar de pessoas que não acreditam que as empresas merecem voto de confiança na classe B é de 17,3%. A desconfiança aumenta consideravelmente quando se trata dos governos, chegando a 37,7% das respostas neste grupo.
A pesquisa também buscou mapear a percepção dos entrevistados sobre o impacto das questões sociais. Nos problemas que afetam os brasileiros como um todo, a violência e a criminalidade alcançaram 88,3%. A corrupção foi mencionada por 84,6% e a violência policial contra a população negra por 72,9% dos respondentes.
Os entrevistados também responderam sobre os problemas de maior gravidade que os atingem de modo pessoal. A violência e a criminalidade ficaram no topo das preocupações individuais, com 78,9%. A corrupção ocupa a segunda colocação (78,6%). A violência policial contra a população negra, especificamente, aparece com 70,1% nas menções de impacto na vida individual.
Entre os setores que mais têm cativado os clientes negros, por conta das políticas abertas à diversidade, destacam-se os de higiene, beleza, vestuário, moda e o comércio eletrônico, o chamado e-commerce. Por outro lado, os shoppings, o comércio de alimentos e a indústria farmacêutica devem se tornar mais convidativos, na análise do relatório.
Um em cada três clientes negros, o que equivale a 34,8%, foi vítima de discriminação ao contratar um serviço ou comprar um produto no último ano, de acordo com o levantamento. O racismo se manifestou por meio de olhares que transmitiam cisma, desconforto ou julgamento e abordagens que destoavam do padrão oferecido aos demais clientes, em sete de cada dez casos. Lojas de roupas, calçados, perfumaria e acessórios (24,5%) foram os locais mais citados, seguidos pelos shoppings (17%) e supermercados (16,8%).
Kleber Karpov, Fenaj: 10379-DF – IFJ: BR17894
Mestrando em Comunicação Política (Universidade Católica Portuguesa/Lisboa, Portugal); Pós-Graduando em MBA Executivo em Neuromarketing (Unyleya); Pós-Graduado em Auditoria e Gestão de Serviços de Saúde (Unicesp); Extensão em Ciências Políticas por Veduca/ Universidade de São Paulo (USP);Ex-secretário Municipal de Comunicação de Santo Antônio do Descoberto(GO); Foi assessor de imprensa no Senado Federal, Câmara Federal e na Câmara Legislativa do Distrito Federal.










