Por Kleber Karpov
Governos estaduais e federal, com a participação do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), concluíram em 05/Set, o 2º Encontro Nacional dos Órgãos de Terra, em Teresina (PI), com a elaboração de uma carta de direcionamentos para a política de regularização fundiária no país. O evento serviu como um espaço para troca de experiências e articulação entre os estados da Amazônia Legal e do Nordeste, buscando destravar um gargalo histórico que gera insegurança jurídica, afasta investimentos e fragiliza comunidades tradicionais.
O encontro foi amplamente visto pelos participantes como uma plataforma de aprendizagem, onde o compartilhamento de boas práticas, erros e acertos foi debatido abertamente. Raquel Poça, analista de pesquisa do IPAM, destacou a importância da troca de experiências, lembrando que a primeira edição, realizada em Belém (PA) em dezembro de 2024, também contou com o apoio institucional do instituto.
A ausência de titularidade de terras foi apontada como um entrave direto ao desenvolvimento sustentável do Brasil. Patrícia Daros, diretora do Fundo Vale, ressaltou que a falta de segurança jurídica afasta investimentos cruciais em áreas como bioeconomia e mercado de carbono. “Há uma insegurança porque não há uma regulamentação e uma segurança jurídica para esses investidores. Não adianta criar instrumento financeiro se a gente não atrai o grande capital porque ele está com medo”, afirmou Daros.
Raquel Poça reforçou essa visão, explicando que a regularização é fundamental para o desenvolvimento de economias verdes. Contudo, ela lembrou que a questão transcende o viés econômico, impactando diretamente a sobrevivência de povos indígenas e comunidades tradicionais. “A gente tem dados consolidados de que povos indígenas e comunidades tradicionais são os que mais preservam e mantêm essas florestas em pé, e isso tem uma importância na regulação do clima. Sem a segurança da terra, a gente expõe essas populações a uma fragilidade jurídica de território e elas ficam vulneráveis a contratos que não são positivos do ponto de vista do aporte de recursos que seriam devolvidos a elas”, avaliou a pesquisadora.
Principais desafios
A integração entre os diversos órgãos fundiários foi o clamor unânime do encontro. Moisés Savian, secretário de Governança Fundiária do Ministério do Desenvolvimento Agrário, identificou como o maior obstáculo a fragmentação das bases de dados. “Esse é um dos principais desafios: organizar essa base e unificar em um processo único do país para que as regularizações que saiam a partir de agora sejam regularizações que não vão incidir sobre outros títulos já emitidos ou áreas que já foram destinadas”, explicou.
O problema, como apontou Poça, é fruto de um “processo de desordenamento territorial que existe desde a formação do Brasil”. Savian complementou, citando a divisão de terras desde o período colonial, com as sesmarias, e a emissão de títulos durante a ditadura militar para incentivar a ocupação da Amazônia, criando um emaranhado de sobreposições e conflitos.
Carta de Teresina
A “Carta de Teresina” foi consolidada como o principal produto do encontro. O documento apresenta uma pauta coletiva de demandas estaduais para orientar a atuação do governo federal. Segundo Rodrigo Cavalcante, diretor-geral do Instituto de Terras do Piauí (Interpi), a nova carta fará um balanço dos avanços desde a edição anterior, em Belém, e pressionará por pautas não atendidas.
A demanda por integração, segundo ele, é reincidente. “É claro que alguma coisa andou, um exemplo é o Sicar (Sistema de Cadastro Ambiental Rural) federativo, mas a gente ainda precisa ampliar a integração dos órgãos estaduais com o governo federal”, declarou. Cavalcante adiantou que a carta de 2025 também incluirá a necessidade de maior cooperação com o Poder Judiciário e a urgência de financiamento federal para as políticas de regularização, já que muitos estados não possuem fontes próprias de recursos.
Bruno Kono, presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), reforçou que o documento expressa o anseio por colaboração. “A Carta do Piauí vem justamente para reforçar esses anseios dos Estados principalmente no sentido de integrar e colaborar com o governo federal para o avanço da agenda da regularização fundiária”, disse. Kono também citou avanços, como o Sistema Nacional de Regularização Fundiária (Sinarf), que facilita o acesso dos estados a serviços federais.
Futuro da regularização
O governo federal deve anunciar nos próximos meses um decreto presidencial criando a Política Nacional de Governança da Terra. De acordo com Moisés Savian, a política estabelecerá um conselho nacional com participação da sociedade civil para discutir desafios como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), a violência no campo e o combate à grilagem. Também serão criados um comitê gestor com órgãos federais (MDA, Incra, Funai) e um comitê executivo para os órgãos estaduais.
Em um apelo final, Patrícia Daros defendeu que o tema seja levado à COP30, em novembro, em Belém. “Trazer esse tema para a COP é fundamental, porque a gente consegue dar conta desse ‘fantasma’ de que aqui tudo é uma zona. Não, tem instituições sérias cuidando disso. Aproveitem a COP e aproveitem para trazer essa agenda”, defendeu.
Kleber Karpov, Fenaj: 10379-DF – IFJ: BR17894
Mestrando em Comunicação Política (Universidade Católica Portuguesa/Lisboa, Portugal); Pós-Graduando em MBA Executivo em Neuromarketing (Unyleya); Pós-Graduado em Auditoria e Gestão de Serviços de Saúde (Unicesp); Extensão em Ciências Políticas por Veduca/ Universidade de São Paulo (USP);Ex-secretário Municipal de Comunicação de Santo Antônio do Descoberto(GO); Foi assessor de imprensa no Senado Federal, Câmara Federal e na Câmara Legislativa do Distrito Federal.










