Por Kleber Karpov
A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado Federal aprovou, nesta quarta-feira (13/Ago), o O PL 6.050/2023, regulamenta a exploração econômica em terras indígenas, a exemplo de extração de minerais, inclusive por meio de garimpo, de petróleo e de gás natural. Além de disciplinar o uso de recursos hídricos para geração de energia e as atividades ligadas ao ecoturismo e ao etnoturismo em terras indígenas. A decisão, por mais que apresente ‘garantias’ e compensações, expõe um movimento paradoxal à própria função da CDH, defender populações vulneráveis.
A proposta, que deveria ser analisada por mais três comissões, deve seguir diretamente para o Plenário do Senado, uma vez que o relator, senador Márcio Bittar (União-AC), pediu urgência de apreciação do PL. Os senadores Paulo Paim (PT-RS) e Fabiano Contarato (PT-ES) não concordaram com a mudança e lembraram que não há consenso sobre o tema.
Tragédia legalizada
A proposta, validada e com a tramitação agilizada pela CDH, ganha um contorno de ironia amarga, uma vez que o tema abrange tragédias, desde a derrubada e exploração irregular de madeiras, grilagem de terras públicas, queimadas de matas em áreas preservadas para criação de pastos, contaminação de águas com mercúrio na exploração em garimpos ilegais.
Ações essas, com ampla cobertura por parte da imprensa brasileira ao longo dos últimos anos, a exemplo da reportagem, de 21 de janeiro de 2022, intitulada “Em 1993, Bolsonaro tentou riscar do mapa demarcação de terra indígena yanomami, de 2019 a 2023, um projeto de governo“. PDNews, documentou um tentativa de alteração dos limites da Terra Indígena Yanomami, além de demonstrar a crise humanitária Yanomami, identificada no início da gestão do presidente Lula, que escancarou uma tragédia com mortes de centenas de crianças por desnutrição e doenças como malária.
Situações essas, que com o aval do Congresso Nacional, pode estar prestes de serem legalizadas, a invasão e delapidação de terras indígenas. Situação que pode retornar os episódios que ganharam visibilidade de tragédias escaladas, em especial, durante a gestão do ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro (PL/RJ).
Dentre esses, doenças, mortes, escravização de povos indígenas, além do aumento de taxas de incidências de assassinatos, violência e exploração sexual de mulheres e crianças indígenas em condições de vulnerabilidade social. Porém, com autorização legal e consequentemente, baixíssimas taxas de punição a eventuais transgressores, sejam de crimes ambientais, ou outras práticas.
Caso esse que levou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em janeiro de 2023, a solicitar à Procuradoria-Geral da República (PGR) a investigação sobre omissão da gestão Bolsonaro, em relação aos Yanomami. A entidade apontou ainda, o enfraquecimento de leis, a falta de assistência e a conivência com o garimpo ilegal como fatores que contribuíram para a crise.
Impactos irreversíveis do garimpo
O garimpo, mesmo com a chancela de uma legislação, mal ou superficialmente discutida, dentro de terras indígenas carrega nas sombras um rastro de destruição. A atividade, sem a devida supervisão, além de promover a contaminação de rios e solo, por mercúrio — metal pesado que afeta a saúde de crianças e gestantes —, também contribui para o desmatamento, a violência contra indígenas e ribeirinhos e a desestabilização social nas aldeias, o que comprovadamente acentua o aumento de prostituição e alcoolismo nessas comunidades.
Importante observar que Organismos internacionais, a exemplo da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), são críticas quanto a política brasileira para a Amazônia, especialmente a flexibilização da legislação ambiental. A OIT, inclusive, trata da necessidade de consulta prévia, livre e informada as comunidades. Garantias essas que, embora o PL mencione a necessidade de se consultar as comunidades para eventuais explorações das terras indígenas, o texto do PL é criticado por não garantir um poder real de veto, conforme exigido por organizações, a exemplo da previsão da Convenção 169 da OIT.
Presente à COP30
Ás vésperas de sediar a Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser realizada em novembro desse ano, em Belém (PA), o Congresso Nacional brasileiro deve presentear o planeta com a legalização da exploração de garimpos e outras atividades econômicas em terras indígenas.
Tensão e conflitos
Mais que isso, o Congresso Nacional Brasileiro deve legalizar a ampliação de ondas de tensões e conflitos entre fazendeiros e indígenas, a exemplo de casos recentes, ocorridos em 18 de setembro de 2024, a exemplo de um indígena Guarani Kaiowá, brutalmente assassinado com um tiro na nuca na Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, no município de Antônio João, em Mato Grosso do Sul, durante ação da Polícia Militar do Estado no imóvel denominado Fazenda Barra, sobreposto à Terra Indígena. Um caso, com três óbitos de um total de 211 assassinatos registrados naquele ano, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Em 2024, o CIMI registrou ainda 424 casos de “Violência contra a Pessoa” divididas em nove categorias: abuso de poder (19 casos); ameaça de morte (20); ameaças várias (35); assassinatos (211); homicídio culposo (20); lesões corporais (29); racismo e discriminação étnico-cultural (39); tentativa de assassinato (31); e violência sexual (20).
Ou ainda ao triplo homicídio de indígenas com os corpos carbonizados, em 31 de março de 2025, em uma casa da aldeia Bororó, em área de retomada indígena Avaeté Mirim, na região rural de Dourados, no Mato Grosso do Sul.
Direitos… Humanos?
Essa tensão política e social, com políticos em posições de poder hoje, demonstra uma continuidade na pressão sobre territórios indígenas, um cenário onde a mineração e a exploração de recursos ganham protagonismo.
A votação da CDH, atualmente presidida pela senadora Damares Alves (Republicanos/DF), que na gestão de Bolsonaro foi ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob investigação por uma série de episódios ligados aos Direitos Humanos, inclusive, sobre as condições em que os indígenas Yanonamis foram encontrados, em janeiro de 2022, que deveria proteger a população mais afetada por essa sanha exploratória, valida o garimpo e pode ser um tiro no pé para a imagem do país, com potencial retrocesso nos direitos de populações vulneráveis.
Kleber Karpov, Fenaj: 10379-DF – IFJ: BR17894
Mestrando em Comunicação Política (Universidade Católica Portuguesa/Lisboa, Portugal); Pós-Graduando em MBA Executivo em Neuromarketing (Unyleya); Pós-Graduado em Auditoria e Gestão de Serviços de Saúde (Unicesp); Extensão em Ciências Políticas por Veduca/ Universidade de São Paulo (USP);Ex-secretário Municipal de Comunicação de Santo Antônio do Descoberto(GO); Foi assessor de imprensa no Senado Federal, Câmara Federal e na Câmara Legislativa do Distrito Federal.










