Por Kleber Karpov
Ao rebater, neste domingo (7/Set), as acusações de que o Brasil vive uma “ditadura da toga”, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, lembrou uma das piores face do autoritarismo, ao lembrar as mais de 700 mortes por covid-19, durante a gestão do ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro (PL/RJ). Mendes foi categórico a atribuir “milhares de mortos” as negligências deliberadas, na aquisição de vacinas, por parte de autoridades. Fala essa que joga luz sobre o pedido de reconsideração e indiciamento da apuração realizada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia da Covid-19 (2021), que pediu o indiciamento de 66 pessoas físicas e duas pessoas jurídicas, até o momento, engavetada na Procuradoria-Geral da República (PGR).

A anatomia do descaso
A referência de Mendes, não ocorre por acaso, uma vez que em 2021 a CPI da Pandemia teve ampla cobertura da imprensa, e não se baseou em abstrações. As investigações mergulharam em episódios concretos que revelaram ser uma estratégia deliberada de manter a exposição da população ao vírus, movida por interesses políticos e econômicos.
Importante resgatar, para o contexto, ao longo da pandemia do Coronavírus, Bolsonaro foi responsável por demitir ministros em dissonância com os interesses próprios. Dentre essas, as demissões dos ex-ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (16/Abr/2020) e Nelson Teich (15/Mai/2020). Ocasião em que nomeou o então general da ativa, atual deputado federal, Eduardo Pazuello (PL/RJ) que permaneceu no cargo de 16 de maio de 2020 até 23 de março de 2021, ministro esse que teve como lema: “um manda e o outro obedece” ao se referir à ao ex-presidente. Esse, após ficar insustentável a manutenção no cargo, substituído pelo médico, cardiologista, Marcelo Queiroga.
Mudanças essas, em sua maioria, associadas a refutar, a importância do isolamento social, ou, mais grave, a adoção de medicamentos a exemplo da cloroquina, hidroxicloroquina, além de ivermectina e azitromicina, todas, sem comprovação científica da eficácia para tratar Covid-19, mas com aval, inclusive do Conselho Federal de Medicina (CFM), ao permitir aos médicos a prescrição de tais medicamentos para ‘tratar’ a doença.
Entre os casos mais emblemáticos estão:
- Cloroquina, Hicroxicloroquina, ivermectina: Nesse cenário Pazzuello obedeceu e ‘adotou’ a administração de cloroquina e hidroxicloroquina no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), não apenas em “tratamento precoce”, mas como protocolo, conforme constam em entrevistas e até em manuais produzidos pelo MS, sob gestão do general ministro da Saúde, “Orientações do Ministério da Saúde para tratamento medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19”, publicado em 20 de maio de 2020, pelo MS“. (Veja aqui)
- A crise do oxigênio em Manaus: Documentos e depoimentos comprovaram que o Ministério da Saúde foi alertado com antecedência sobre o iminente colapso do fornecimento de oxigênio na capital amazonense em janeiro de 2021, mas demorou a agir, resultando em mortes por asfixia em hospitais. A CPI apontou omissão e ação tardia do então ministro da Saúde, atual deputado federal, general Eduardo Pazuello (PL/RJ).
- O escândalo da Covaxin: A comissão expôs uma negociação para a compra da vacina indiana Covaxin por um preço por dose superior ao de outros imunizantes e com indícios de corrupção. A denúncia, feita pelos irmãos Miranda (um servidor do Ministério da Saúde e um deputado federal), apontava para uma pressão atípica para a liberação de recursos. O contrato foi suspenso após o escândalo vir à tona.
- O “gabinete paralelo”: A CPI identificou a existência de um grupo de aconselhamento informal do presidente, composto por médicos e empresários que defendiam o chamado “tratamento precoce”, com medicamentos como a cloroquina, sem eficácia científica comprovada. Esse grupo, segundo o relatório, influenciava diretamente as decisões do governo, em detrimento das orientações técnicas e da ciência.
- O caso Prevent Senior: A investigação revelou que a operadora de saúde realizou experimentos com seus pacientes, em sua maioria idosos, utilizando o “kit covid” sem o consentimento informado. Além disso, a CPI apurou que a empresa teria ocultado mortes de pacientes por covid-19 para maquiar os resultados de seus estudos e validar as teses defendidas pelo governo federal.
CPI da Pandemia

Finalizada em outubro de 2021, a CPI da Pandemia, presidida por Omar Aziz (PSD-AM), sob relatoria do senador Renan Calheiros (MDB-AL), resultou em uma investigação com o pedido de indiciamento de 66 pessoas físicas e duas pessoas jurídicas.
O “Relatório Final”, denso à época entregue pelos membros da CPI ao então procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras — amplamente criticado por ‘engavetar’ demandas contrárias aos interesses do ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro (PL/RJ) —, ficou no esquecimento. Após a posse do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a PGR voltou a ser provocada por titulares da Comissão.
Senadores que participaram da CPI, como Omar Aziz e Randolfe Rodrigues, reuniram-se em março de 2025 com o procurador-geral Paulo Gonet para pedir o desarquivamento do caso. Segundo os parlamentares, Gonet sinalizou positivamente, afirmando que o trabalho da comissão seria “prestigiado” em sua gestão. Porém, desde então o relatório permanece engavetado.
O dilema de Gonet: entre o golpe e a pandemia
Caso esse em que se faz necessário ressalvar, ao que tudo indica, Gonet enfrenta um cenário de sobrecarga. O PGR atual, desde a posse em investigações sobre a trama golpista que culminou nos ataques de 8 de janeiro e que mantêm Bolsonaro e seu círculo mais próximo no centro das atenções, tanto no processo de investigações como, mais recentemente, de julgamento por parte do STF. Demandas que consomem boa parte dos recursos e do tempo da Procuradoria, por se tratar uma apuração complexa e prioritária para a estabilidade da democracia brasileira.
Esse contexto, porém, levanta um contraponto sobre a capacidade de a PGR, mesmo que Gonet decida reabrir o caso, de conduzir com a devida celeridade e profundidade uma investigação da magnitude daquela proposta pela CPI da Pandemia. Para familiares das vítimas e para uma parcela da sociedade, a justiça pelas mortes evitáveis não pode ser vista como uma pauta secundária, e a demora na responsabilização dos culpados representa uma ferida aberta a remoer que viu os entes as sem lançados a sete palmos de terra, muitos dos casos em mortes evitáveis, um perigoso precedente de impunidade.
Confira o Relatório Final da Pandemia:
Kleber Karpov, Fenaj: 10379-DF – IFJ: BR17894
Mestrando em Comunicação Política (Universidade Católica Portuguesa/Lisboa, Portugal); Pós-Graduando em MBA Executivo em Neuromarketing (Unyleya); Pós-Graduado em Auditoria e Gestão de Serviços de Saúde (Unicesp); Extensão em Ciências Políticas por Veduca/ Universidade de São Paulo (USP);Ex-secretário Municipal de Comunicação de Santo Antônio do Descoberto(GO); Foi assessor de imprensa no Senado Federal, Câmara Federal e na Câmara Legislativa do Distrito Federal.










