Por Kleber Karpov
A Câmara dos Deputados aprovou e enviou ao Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021, que retoma a necessidade de autorização prévia do Congresso para a abertura de processos criminais contra parlamentares, uma proteção que havia sido derrubada em 2001. Conhecida como “PEC da Blindagem”, a medida ressuscita um mecanismo que, na década de 1990, se tornou sinônimo de impunidade ao barrar centenas de investigações sobre corrupção, tráfico de drogas e até assassinatos envolvendo deputados e senadores.
A proposta atual prevê que a autorização para processar um parlamentar dependa da aprovação da maioria da respectiva Casa legislativa, em uma votação com voto secreto. A medida também amplia o alcance do foro privilegiado e restringe a aplicação de medidas cautelares por instâncias inferiores da Justiça contra os congressistas.
O fantasma da impunidade
A exigência de autorização para processar parlamentares, prevista na redação original da Constituição de 1988, foi extinta pela Emenda Constitucional 35, de 2001. A mudança foi uma resposta direta à indignação da sociedade diante de uma sucessão de escândalos. A jornalista Tereza Cruvinel, que cobriu o Congresso Nacional por mais de 20 anos, lembra que o mecanismo era usado para proteger criminosos.
“Começaram a surgir parlamentares com envolvimentos criminais. Muitas vezes, eles pertenciam a partidos poderosos, e o Judiciário não conseguia as licenças para processá-los. Quando o Supremo pedia, era invariavelmente negado. Quase 300 pedidos foram negados até 2001”, recorda Cruvinel. Segundo ela, a aprovação da emenda de 2001 foi motivada pela repulsa popular. “Foi uma reprovação da sociedade àquele protecionismo extremo de parlamentares, que eram praticamente inalcançáveis pela lei. Houve uma confusão entre imunidade e impunidade”, completa a jornalista.
Casos emblemáticos
A pressão pública que levou à mudança na Constituição foi alimentada por casos chocantes que dominaram o noticiário:

Hildebrando Pascoal, o “deputado da motosserra”: Eleito em 1998 pelo Acre, o ex-deputado foi condenado, após deixar o Parlamento, por liderar um esquadrão da morte, tráfico de drogas e múltiplos homicídios, incluindo o esquartejamento de vítimas com uma motosserra. Cruvinel destaca que, mesmo com as provas dos crimes, o Congresso preferiu cassar seu mandato a autorizar o processo. “Preferiram cassá-lo para não dar precedente e preservar aquele mecanismo”, comentou.
Sérgio Naya e o Palace 2: O desabamento do Edifício Palace 2, no Rio de Janeiro, em 1998, que matou oito pessoas, acelerou a tramitação de PECs sobre o tema. O responsável técnico pela obra era o então deputado federal Sérgio Naya, que se beneficiou da imunidade.

Ronaldo Cunha Lima: Em 1993, quando era governador da Paraíba, atirou em seu rival político, Tarcísio Burity. Em 1995, eleito senador, ganhou a proteção do foro. O STF pediu autorização para processá-lo no mesmo ano, mas o Senado analisou o pedido apenas em 1999, negando-o. O processo só andou após a EC 35, mas, em 2007, dias antes de ser julgado pelo STF, Cunha Lima renunciou para que o caso fosse transferido para a primeira instância, manobra que a viúva de Burity chamou de “palhaçada”.
Proteção ou retrocesso?
Os defensores da PEC 3/2021, como o relator Cláudio Cajado (PP-BA), argumentam que a medida é um “escudo protetivo da defesa do parlamentar” contra interferências indevidas do Judiciário.
No entanto, críticos apontam um perigoso retrocesso. Tereza Cruvinel lembra que a blindagem na Constituição de 1988 foi pensada para proteger parlamentares de perseguições políticas após 21 anos de ditadura, não para acobertar crimes comuns.
“O constituinte teve a intenção de proteger os parlamentares contra eventuais futuros abusos, uma nova ditadura. O deputado de hoje está pensando em garantir uma blindagem contra quaisquer iniciativas da Justiça”, comparou.
Organizações como a Transparência Internacional – Brasil alertam que a PEC é uma “certeza de impunidade” e amplia os riscos de infiltração do crime organizado na política. A percepção pública parece alinhada com as críticas: uma pesquisa do instituto Quaest indicou que 83% das menções à proposta nas redes sociais foram negativas.
Resistência no Senado
Se por um lado há deputados ávidos para tentar garantir “blindagem”, com mais prerrogativas, em relação a investigações criminais, por outro, parte do Senado se mostra totalmente contrária e projete derrubar a PEC. A proposta, que deve tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), encontra resistência tanto por parte do Otto presidente da CCJ, senador Roberto Mendonça de Alencar (PSD/BA), quanto do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), nomeado relator da PEC das prerrogativas.
Em entrevista à imprensa, Vieira é categórico ao declarar, antecipadamente, intenção de pedir a rejeição do texto na CCJ. No entender do senador, A PEC proporciona total imunidade para quaisquer tipos de crimes.
“Essa narrativa que alguns criaram de dizer que estavam votando a favor da blindagem porque queriam a anistia e outros dizendo a mesma coisa, mas no sentido contrário, ‘estou votando a favor da blindagem porque não quero a anistia’, é uma justificativa, é uma cortina de fumaça. […] A blindagem interessa para quem comete crime, a blindagem interessa para bandido”, disse Vieira em entrevista à CBN.
Imagem negativa e mobilizações
A votação da PEC da blindagem, somada ao pedido de urgência de apreciação da PEC da Anistia, pode se transformar em mais um ‘tiro no pé’ para o presidente da Câmara, Hugo Mota (Republicanos/PB). Para além da reação do Senado, nas redes sociais a reação foi instantânea com a viralização de milhares de menções e mêmes em postagens contrárias a aprovação da proposta. Além de convocatórias de mobilizações, realizadas por entidades da sociedade civil, artistas e diversos entes políticos, em mobilizações que devem ocorrer neste domingo (21/Set) em diversas localidades no país.
Essa Repercussão negativa foi confirmada, neste sábado (20/Set), com a divulgação de levantamento realizado pela Genial Quest, que mostra que 83% das menções realizadas nas redes sociais reprovam a iniciativa da Câmara, consequentemente, de Mota.
Kleber Karpov, Fenaj: 10379-DF – IFJ: BR17894
Mestrando em Comunicação Política (Universidade Católica Portuguesa/Lisboa, Portugal); Pós-Graduando em MBA Executivo em Neuromarketing (Unyleya); Pós-Graduado em Auditoria e Gestão de Serviços de Saúde (Unicesp); Extensão em Ciências Políticas por Veduca/ Universidade de São Paulo (USP);Ex-secretário Municipal de Comunicação de Santo Antônio do Descoberto(GO); Foi assessor de imprensa no Senado Federal, Câmara Federal e na Câmara Legislativa do Distrito Federal.










