Por Gustavo Frasão
Não nos enganemos: a “adultização infantil” não nasceu com TikTok, YouTube ou Instagram. Nos anos 90, as tardes de sábado eram embaladas por “É o Tchan” coreografando letras de duplo sentido, programas dominicais exibindo crianças dançando de forma sensualizada em rede nacional e bandas como Mamonas Assassinas ou funks proibidões tocando alto no carro da família. O almoço de domingo era regado a propagandas de cerveja com mulheres seminuas, bunda e peito a rodo — e a audiência incluía crianças. Ou seja: a erotização precoce sempre foi servida de bandeja no Brasil, a diferença é que, naquela época, o filtro era a grade de programação; hoje, é o algoritmo, que não filtra nada.
A denúncia do youtuber Felca, que ultrapassou 27 milhões de visualizações, só escancarou o óbvio ululante: continuamos expondo crianças para alimentar o espetáculo adulto. Ele mostrou, sem panos quentes, casos de exploração de menores que vão de constrangimento diante das câmeras a práticas criminosas como venda de conteúdo sexual de meninas de 14 anos. E o mais grave: muitas vezes com aval — e até incentivo — dos próprios responsáveis.
Os exemplos são de embrulhar o estômago. Do canal “Bel para Meninas”, em que uma criança era obrigada a fazer coisas humilhantes “pelo engajamento”, ao caso de Kamylinha, emancipada aos 16 anos e com silicone aos 17, dançando para plateias adultas. Sem falar no escândalo de Caroliny Dreher, que começou com dancinhas “inocentes” e terminou em sites de conteúdo adulto, abastecendo fóruns de pedofilia.
E a internet, essa terra de ninguém travestida de liberdade, só potencializa o problema. O que antes tinha hora para acabar — quando o programa de auditório saia do ar — agora é 24 horas, no celular, no quarto, sem supervisão e com recomendação automática para mais e mais conteúdo. É aí que entra o tal “algoritmo P” denunciado por Felca, que entrega vídeos de crianças sexualizadas para quem consome esse tipo de material. Não é só um descuido, é um modelo de negócio que lucra com o pior da humanidade. E não se engane, o problema não é somente erotização, é a necessidade de crianças e do público infanto-juvenil querer ter atitudes privativas de adutos, como trabalho, carreira e preocupações. A adultização vai muito além, o buraco é bem mais embaixo.
A reação foi imediata. Políticos de diferentes espectros se mexeram, surgindo a proposta da “Lei Felca” e outros projetos que criminalizam a adultização infantil e impõem deveres às plataformas. Finalmente, discute-se responsabilizar empresas bilionárias que se escondem atrás do discurso de “neutralidade tecnológica” enquanto vendem atenção e dados como mercadoria.
E aqui está a verdade inconveniente: criança não tem que sensualizar, se expor, trabalhar, ter canal no YouTube, “carreira” ou marca própria. Criança tem que brincar, estudar e ser protegida — ponto. O resto é desculpa esfarrapada de adulto que terceiriza cuidado ou enxerga no filho um investimento. Casos como o de Maysa, explorada e exposta desde cedo, não são “sonhos realizados” — são traumas embalados em papel de presente, fases puladas sem necessidade.
A solução? Regulamentação firme, fiscalização constante e punição exemplar. Plataformas devem ser obrigadas a identificar e barrar conteúdo exploratório. Pais e responsáveis que exploram precisam responder na Justiça. Algoritmos precisam ser auditados, com transparência e bloqueios automáticos para qualquer conteúdo que coloque crianças em risco.
Felca fez o que muitos jornalistas, políticos e autoridades não tiveram coragem de fazer: apontou o dedo para o problema sem se preocupar com o “mimimi” da patrulha digital. A discussão agora é sobre coragem política. Porque, sem lei, continuaremos exportando para o mundo a versão 5G do “É o Tchan no Faustão”: só que agora, não é um programa no domingo à tarde — é o tempo todo, no bolso de cada um, inclusive das crianças.

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